Ofensa Por Negligência

Código de Leis

A proibição de ofender o Criador (Bircat Hashem, ברכת השם) abrange não apenas atos diretos e intencionais, mas também formas mais sutis de desrespeito, como a negligência. Ela ocorre quando alguém deixa de reconhecer apropriadamente a presença, a autoridade ou os feitos do Criador no dia a dia. Esta dimensão da lei mostra que a reverência ao Divino exige também o cultivo constante de uma consciência do Criador.




Fundamentação Haláḥica




O conceito de ofensa por negligência tem suas raízes na Torá (Devarim 8.11-14), especificamente sobre o cuidado para não esquecer do Criador quando há riqueza e prosperidade. Este trecho ilustra como a prosperidade e o conforto podem facilmente levar à perda de consciência da presença divina.


Tome cuidado para não se esquecer do Criador, seu Deus, deixando de cumprir os mandamentos, as normas e os decretos que ordeno hoje a você. Para que não aconteça que, ao comer e se satisfazer, ao construir boas casas para morar, ao se multiplicarem o seu gado e os seus rebanhos, ao se multiplicarem a sua prata e o seu ouro, e ter sucesso em tudo o que você possui, o seu coração se eleve e esqueça do Criador, Seu Deus.


O Rei Shelomo ensina em Mishlei (30.8-9), “não me dê pobreza nem riqueza, apenas o pão que me foi decretado, para que eu não negue Você ao ficar satisfeito e diga 'Quem é o Criador?’”, expandindo de forma prática o princípio da porção individual no mundo.


Ainda nessa abordagem, o Talmud (Beraḥot 35a) estabelece que é proibido se beneficiar deste mundo sem uma bênção. Esta afirmação conecta diretamente a negligência com a obrigação de reconhecer o Criador.




Formas de Negligência




Omissão de Gratidão


Uma das formas mais clássicas de negligência é a falha em expressar gratidão ao Criador pelos benefícios recebidos. O Midrash (Vaicrá Rabá 9.7) ensina que “no futuro, todas as oferendas serão anuladas, exceto a oferta de agradecimento”, destacando a importância central da gratidão na relação com o Divino. 


Entre as principais falhas desta categoria, está a falta de agradecimento ao Criador pelas necessidades básicas (alimento, saúde, moradia), atribuição de sucessos e conquistas exclusivamente aos próprios esforços e a ausência de reconhecimento de intervenções positivas como expressões da providência divina.


Naturalização dos Fenômenos


Atribuir os fenômenos naturais exclusivamente a causas mecânicas ou aleatórias, sem reconhecer a mão do Criador que os sustenta, constitui outra forma de ofensa por negligência.


O Talmud (Taanit 7b) afirma que “a chuva cai somente se os pecados do povo judeu forem perdoados.” Esta afirmação traz a noção de que, mesmo os fenômenos naturais mais comuns, devem ser reconhecidos como expressões da bondade divina. 


Isto se torna um problema ao se referir a fenômenos naturais sem reconhecer sua origem divina, usar expressões de aleatoriedade ou autossuficiência que ocultam o papel do Criador, e se basear exclusivamente em explicações científicas sem reconhecer a força divina por trás das leis naturais.


Negligência nas Responsabilidades


A falha em cumprir adequadamente as responsabilidades pessoais pode levar à ofensa por negligência. O Pirkei Avot (2.1) diz, “Considere estas três coisas e você não chegará a pecar: saiba que acima de você há um olho que vê, um ouvido que ouve, e que todas as suas ações são registradas em um livro.”


Esta categoria compreende o descuido com o estudo das Sete Leis e suas ramificações, bem como a falta de comprometimento com o desenvolvimento de uma comunidade noaíta justa e com a educação dos filhos sobre o Criador e a Torá.


Autonomia Excessiva


Uma forma mais sutil de ofensa por negligência ocorre quando uma pessoa vive como se fosse completamente autônoma, sem reconhecer sua dependência do Criador. Em linhas gerais, essas pessoas costumam planejar o futuro sem qualquer referência à vontade divina, confiam exclusivamente em recursos próprios para segurança e bem-estar ou vivem sem buscar orientação divina através do estudo e da reza.


Indiferença ao Sofrimento


A indiferença ao sofrimento de outros seres humanos ou animais também pode constituir uma ofensa por negligência ao Criador. O Talmud (Shabat 151b) ensina que aquele que tem compaixão das criaturas recebe compaixão do céu, estabelecendo uma conexão direta entre a compassividade e a relação com o Divino.




Materialismo no Mundo Moderno




A era digital traz novos desafios relacionados à ofensa por negligência ao Criador. A velocidade das comunicações e a constante exposição a estímulos digitais reduzem drasticamente o espaço mental necessário para a contemplação e reflexão sobre o Divino, enquanto as plataformas de mídia social frequentemente fomentam visões de mundo centradas exclusivamente no indivíduo. Esta realidade digital, centrada no consumismo, cria um ambiente inevitável para o esquecimento do Criador.


O materialismo excessivo pela cultura digital enfatiza a acumulação de bens e experiências para serem compartilhadas nas redes sociais como símbolos de status e sucesso. Esta preocupação constante com a visibilidade tende a obscurecer a dimensão espiritual da existência, enquanto o ritmo acelerado da vida moderna dificulta os momentos de pausa necessários para reflexão, gratidão e reconhecimento consciente da presença e atuação do Criador no mundo.




Prevenção




Gratidão


O desenvolvimento de hábitos consistentes de gratidão constitui a principal defesa contra a ofensa por negligência:


- Fala regular de bênçãos antes e após as refeições

- Fala regular das bênçãos em outros contextos, como viagens, fenômenos naturais, etc

- Expressão de agradecimento ao Criador pelo sucesso

- Reflexão diária sobre as bênçãos recebidas, mesmo nos momentos de dificuldade


Reconhecimento Consciente


O desenvolvimento de uma consciência constante do temor ao céu (Irat Shamáim) serve como proteção contra a negligência:


- Prática de momentos regulares de contemplação da criação divina

- Estudo contínuo que aprofunda a compreensão da sabedoria do Criador

- Uso consciente de linguagem que reconhece a providência divina


Comunidade Consciente


A vida em comunidade oferece oportunidades para reforçar a consciência coletiva do Criador:


- Estabelecimento de momentos comunitários de reconhecimento e gratidão

- Apoio mútuo na prática de mindfulness espiritual

- Criação de ambientes que facilitem a reflexão e o reconhecimento do Divino




Processo de Teshuvá




O reconhecimento da tendência humana à negligência deve levar a um processo de autoexame e retorno, que inclui o reconhecimento da negligência como uma forma real de ofensa ao Criador, a identificação de padrões específicos de esquecimento ou indiferença, o desenvolvimento de práticas que fortaleçam a consciência do Divino e o compromisso renovado com uma vida de reconhecimento constante.




Considerações Haláḥicas




Essas práticas, no entanto, não anulam a seriedade com que a halaḥá trata a negligência como categoria de ofensa espiritual. Embora ela seja frequentemente mais sutil que uma ofensa direta, é uma preocupação significativa na observância das Sete Leis. Para os Bnei Noaḥ, o cultivo de uma consciência constante do cuidado do Criador representa um caminho positivo para uma vida de significado e conexão.


A ofensa por negligência não ocorre repentinamente, ela é o resultado de um processo lento de esquecimento do Criador, onde o que não se diz se torna altamente ofensivo. Os Bnei Noaḥ devem encher o dia a dia de elementos que sustentem a consciência do Criador, enriquecendo assim todos os aspectos da existência humana.

Qualquer um que aceite os Sete Mandamentos e tenha cuidado em fazer isso é um justo entre as nações do mundo e tem uma parte no próximo mundo.

- Maimônides, Mishnê Torá

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