Responsabilidade pela Paz
Código de Leis
A paz (Shalom, שלום) representa um dos valores fundamentais na Torá, transcendendo a mera ausência de conflito para constituir um ideal positivo de harmonia, integridade e bem-estar. Como afirma o Pirkei Avot 5.17, “Todo conflito em nome do céu se sustenta, enquanto todo conflito que não seja em nome do céu, não se sustenta”. Para os Bnei Noaḥ, a responsabilidade pela promoção da paz não se limita aos tribunais e estruturas formais, mas constitui uma obrigação individual e comunitária enraizada na tradição judaica.
Fundamentos na Torá
O compromisso com a paz encontra suas bases nos textos mais fundamentais da tradição judaica. Hillel ensina (Pirkei Avot 1.12), “Seja discípulo de Aharon, amando a paz e perseguindo a paz”. Esta instrução estabelece que a busca pela paz deve ser uma obrigação ativa.
Maimônides ensina no Mishnê Torá (Hilḥot Melaḥim 9.14) que os Bnei Noaḥ são obrigados a estabelecer cortes de justiça em cada cidade para julgar as seis leis e ensinar os povos sobre elas. A lei de estabelecer sistemas de justiça (Dinim, דינים) não visa apenas a punição de transgressores, mas primordialmente a criação de uma sociedade harmoniosa onde os conflitos são prevenidos ou resolvidos pacificamente.
Há um princípio no Midrash Tanḥumá (Tsav 7) que diz que a paz é grande, e isso é repetido várias vezes nele. Este ensinamento demonstra como a paz é considerada o recipiente que atrai todas as outras bênçãos divinas.
Responsabilidade Individual
A responsabilidade pela paz para os Bnei Noaḥ deve se manifestar primeiramente no nível individual, através de várias obrigações:
- Autocontrole emocional: O Rambam ensina (Hilḥot Deot 2.3) sobre a importância do equilíbrio emocional como base para relações pacíficas. Para os Bnei Noah, cultivar paciência e controle de impulsos constitui um dever moral essencial para a manutenção da paz.
- Cuidado com as palavras: Orḥot Tsadikim 21.7 expande o ensinamento do Rei Shelomo (Mishlei 18.21) de que “a língua tem poder da vida e da morte” (מוות וחיים ביד לשון). Isso se aplica aos Bnei Noaḥ terem a responsabilidade de evitar linguagem provocativa, fofocas e calúnias (Lashon Hará, לשון הרע) que frequentemente iniciam conflitos. O cuidado com a comunicação representa um pilar fundamental da responsabilidade pela paz.
- Evitar disputas desnecessárias: O Talmud (Sanhedrin 110a) ensina que qualquer um que perpetue uma disputa viola uma proibição, como aconteceu com Coraḥ. Abrir mão de ter razão quando o assunto é trivial demonstra sabedoria e compromisso com a paz.
- Promoção ativa da reconciliação: No Avot Derabi Natan (12.3), está escrito que Aharon ativamente promovia a paz, não apenas evitando conflitos. Esta atitude proativa deve ser emulada pelos Bnei Noaḥ, que são chamados a intervir construtivamente quando percebem tensões ou desentendimentos.
Âmbito Familiar e Doméstico
O Shalom Bait (שלום בית) é um conceito universal na Torá na manutenção da paz no lar, constituindo a primeira esfera de responsabilidade pela paz. O Talmud (Ievamot 62b) enfatiza que a paz doméstica tem um valor supremo, a ponto do rabino Ḥanilai afirmar que "Qualquer homem que não tenha uma esposa fica sem alegria, sem bênção e sem bondade."
Para os Bnei Noaḥ, esta responsabilidade significa:
- Cultivar a mansidão no tratamento entre cônjuges
- Educar os filhos com métodos que promovam harmonia
- Estabelecer rotinas e acordos que minimizem atritos desnecessários
- Praticar perdão e flexibilidade nas relações familiares
A paz no ambiente doméstico serve como fundamento para a paz na comunidade maior. Como ensina o Zohar (III.176b), “O mundo não se sustenta, exceto pela paz”.
Círculo Comunitário
A responsabilidade pela paz se estende naturalmente para o âmbito comunitário, onde os Bnei Noaḥ devem:
Evitar fomentar divisões: O Talmud Ierushalmi (Peá 1.1) orienta fazer a paz entre as pessoas, por isso, os Bnei Noaḥ devem evitar a criação de facções e divisões dentro da comunidade. Eles devem cultivar a unidade, mesmo em meio à diversidade de opiniões.
Promover inclusão: Em Dereḥ Érets Zuta (cap. 9), é ensinada a importância de tratar bem as pessoas em diversas situações. Criar ambientes acolhedores onde pessoas diversas sentem que são bem-vindas constitui responsabilidade ativa pela paz.
Participar na resolução de conflitos: Antes de um conflito chegar aos tribunais formais, existe a responsabilidade individual de facilitar diálogos construtivos. Hillel (Avot Derabi Natan 12.3) afirma que, quando duas pessoas brigavam, Aharon ia conversar com uma pessoa e ficava com ela até a raiva dela passar, depois ia até a outra pessoa e fazia o mesmo.
Proteger os vulneráveis: A proteção dos mais fracos constitui elemento essencial da paz comunitária. O Talmud (Bava Metzia 59a) ensina que os portões do céu nunca se fecham para a reza daqueles que sofrem injustiça.
Técnicas Práticas para Promoção da Paz
Mediação informal
Antes que disputas escalem, alguém pode intervir como terceiro neutro para facilitar o diálogo construtivo entre as partes. Este papel não requer autoridade formal, apenas confiança das partes e intenção sincera.
Escuta ativa
Praticar a escuta sincera, buscando compreender antes de ser compreendido. O Pirkei Avot (1.15) diz: “Receba toda pessoa com expressão amigável”, o que inclui dar atenção plena às suas palavras.
Linguagem não-violenta
Comunicar necessidades e preocupações sem acusações. O Rambam enfatiza em Hilḥot Deot (5.7) a importância de falar de forma gentil e respeitosa com todas as pessoas.
Reconhecimento de perspectivas
Validar que diferentes visões podem coexistir sem que uma invalide a outra. Como ensina o Talmud sobre as escolas de Hillel e Shamai (Eruvin 13b), que “Ambas são palavras do Deus vivo”.
Equilíbrio entre Paz e Justiça
A responsabilidade pela paz não significa evitar todos os conflitos a qualquer custo. O Midrash Sifrei (Bemidbar 42) afirma que a paz é tão grande, que até mesmo em tempos de guerra deve-se começar com propostas de paz. No entanto, a paz verdadeira deve estar fundamentada na justiça. Para os Bnei Noaḥ, isto significa:
- Não ignorar ou encobrir violações graves para manter a paz
- Buscar reconciliação que inclua adequada restituição e correção de danos
- Distinguir entre conflitos construtivos (para esclarecer a verdade) e destrutivos
- Reconhecer que, por vezes, enfrentar injustiças é necessário para ter a paz no longo prazo
Como ensina o profeta Zeḥariá, “Estas são as coisas que vocês devem fazer: falar a verdade com seu próximo, promovendo a verdade e a paz quando julgarem nos portões das cortes” (Zeḥariá 8.16).
Benefícios de Cultivar a Paz
A tradição oral destaca benefícios abrangentes que resultam do cumprimento da responsabilidade pela paz:
Espirituais
A Mishná (Uctsin 3.12) conclui com o ensinamento: “O Santo, bendito seja Ele, não encontrou receptáculo melhor para abençoar Israel do que a paz”. Por isso, os Bnei Noaḥ devem saber que cultivar a paz abre canais para bênçãos divinas.
Psicológicos
A paz interna e externa contribui para o bem-estar mental. O Rei Shelomo (Mishlei 16.32) ensina que aquele que domina seu espírito é melhor do que aquele que toma uma cidade. Isso deixa claro que a paz de espírito é essencial para o serviço divino adequado.
Sociais
Comunidades que buscam a paz, mesmo através de conflitos úteis (Pirkei Avot 5.17), prosperam em todos os sentidos.
Globais
A paz que começa no indivíduo e se estende à família e à comunidade tem o potencial de afetar o mundo inteiro, como ensina o Talmud (Beraḥot 64a), que “Os estudiosos da Torá aumentam a paz no mundo”.
Aplicação Contemporânea
Na era digital e globalizada, a responsabilidade dos Bnei Noaḥ pela paz também se aplica em contextos novos:
- Comunicação respeitosa em plataformas digitais e redes sociais
- Recusa em compartilhar ou amplificar conteúdo contrários à Torá
- Promoção de diálogos construtivos entre pessoas de diferentes tradições
- Engajamento cívico que busca soluções pacíficas para desafios sociais
A responsabilidade pela paz não é apenas um aspecto periférico das obrigações noaítas, mas um elemento central que permeia todas as Sete Leis. Como ensina a Torá (Tehilim 34.15), “Busque a paz e a persiga”.
Os Bnei Noaḥ tem a responsabilidade individual de garantir a paz, começando com seu próprio comportamento e estendendo-se a seus relacionamentos familiares, comunitários, profissionais, etc. Esta responsabilidade vai além das estruturas formais de justiça para se tornar um princípio orientador em todos os aspectos da vida.
Qualquer um que aceite os Sete Mandamentos e tenha cuidado em fazer isso é um justo entre as nações do mundo e tem uma parte no próximo mundo.
- Maimônides, Mishnê Torá