Leis de Guerras
Código de Leis
As Leis de Guerras podem ser consideradas como o último recurso das ramificações da lei de Dinim (דינים) relacionadas aos Estados, orientando halaḥicamente os princípios éticos que devem reger os conflitos armados. Estas leis estabelecem limites morais para situações extremas, buscando minimizar o sofrimento humano mesmo durante confrontos inevitáveis, e são fundamentais para a implementação completa dos Sistemas de Justiça no âmbito das relações internacionais.
Fundamentos na Tradição Oral
A Torá reconhece a realidade dos conflitos armados na história humana, mas estabelece limites claros para sua condução. O livro de Devarim contém diversas orientações sobre a conduta em tempos de guerra, incluindo a obrigação de oferecer termos de paz antes de atacar uma cidade (Devarim 20.10) e proibições contra a destruição desnecessária de árvores frutíferas durante cercos (Devarim 20.19-20).
Os sábios derivam destes textos princípios universais aplicáveis a todas as nações. O Rambam (Hilḥot Melaḥim 6.1) afirma que “não se inicia guerra contra ninguém no mundo até que se ofereça paz”, estabelecendo a negociação como pré-requisito à ação militar. Esta abordagem reflete o valor fundamental da paz como estado ideal das relações humanas.
Por outro lado, o Talmud (Sanhedrin 72a) estabelece um princípio, “se alguém vem para te matar, levante-se e mate-o primeiro”, fundamentando o direito à autodefesa tanto para indivíduos quanto para nações. Entretanto, este direito é temperado por restrições rigorosas quanto aos métodos e objetivos ensinados pelos comentaristas clássicos.
Guerras Defensivas
As guerras defensivas são aquelas empreendidas para proteger uma nação ou seus aliados contra agressões externas. Estas são universalmente reconhecidas como legítimas dentro da perspectiva das Sete Leis. Os critérios que definem uma guerra defensiva legítima incluem:
Resposta à agressão real ou iminente: A ameaça deve ser concreta e verificável, não meramente hipotética. O Netsiv (Haamec Davar, Bereshit 14.14) comenta sobre a ação de Avraham para resgatar Lot como exemplo de resposta legítima a uma agressão real.
Proporcionalidade e neutralização da ameaça: A escala da ação defensiva deve ser proporcional à ameaça enfrentada, pois não se justifica uma resposta massiva a uma provocação menor. O propósito deve ser restabelecer a segurança, não punir ou conquistar. Uma vez que a ameaça é neutralizada, a halaḥá determina o fim das operações.
Proteção de populações vulneráveis: Defesa de aliados ou grupos perseguidos que enfrentam ameaças graves e não podem se defender adequadamente.
Guerras Ofensivas
São as guerras iniciadas por razões consideradas necessárias ou estratégicas. Na tradição judaica, elas são chamadas de guerras opcionais (Milḥemet Reshut, מלחמת רשות), em contraste com as guerras defensivas obrigatórias. Elas apresentam desafios éticos significativos à luz das Sete Leis e estão sujeitas a restrições severas.
Critérios para Avaliação Ética
Necessidade comprovada: Deve haver uma justificativa substantiva para iniciar um conflito. O Rambam (Hilḥot Melaḥim 5.1) estabelece que mesmo guerras opcionais requerem aprovação do Sanhedrin e do rei, indicando a seriedade com que tais decisões devem ser tomadas.
Aprovação por comissão de ética: Em Estados laicos ou na ausência do Sanhedrin em Israel, uma comissão de ética, composta por especialistas em direito e relações internacionais deve avaliar a justificativa moral da ação proposta. Esta comissão deve incluir vozes independentes, não apenas aquelas alinhadas com o governo.
Oferta inicial de paz: Devarim (20.10) estabelece claramente que antes de atacar uma cidade, termos de paz devem ser oferecidos. Rashi comenta que esta obrigação oferecer pospostas de paz se aplica especificamente às guerras opcionais (Milḥemet Reshut).
Propósito legítimo: O objetivo deve estar alinhado com valores fundamentais das Sete Leis, como a prevenção de grandes injustiças ou a proteção da vida humana em risco, incluindo ações para impedir genocídios ou crimes contra a humanidade. Tais intervenções requerem evidência clara de planos genocidas, urgência para prevenir perdas significativas de vidas e um objetivo estritamente limitado à proteção das populações vulneráveis.
Probabilidade de melhoria real: Deve haver evidência convincente de que a ação militar resultará em uma situação melhor que o status quo, não apenas em termos militares, mas humanos e éticos.
Restrições Específicas
- Proibição de guerras de conquista: Conflitos iniciados puramente para expansão territorial ou dominação de outros povos não são considerados éticos segundo as Sete Leis.
- Vedação a guerras econômicas: Ações militares motivadas principalmente pelo controle de recursos naturais ou vantagens comerciais não são justificáveis.
- Restrição a intervenções culturais ou religiosas: Guerras com o propósito de impor sistemas culturais ou religiosos a outras nações violam o princípio de respeito à dignidade humana.
Conduta Durante Conflitos
Proteção de civis
A proteção de civis constitui um princípio fundamental na ética de guerra noaíta. É imperativo distinguir claramente entre militares e civis, limitando as operações militares aos exércitos. Táticas que não podem distinguir entre alvos militares e civis, ou que causam danos desproporcionais a população, são vedadas pela halaḥá. Quando possível, avisos devem ser emitidos para permitir que civis deixem áreas de combate iminente, demonstrando o valor fundamental do respeito à vida humana mesmo em tempos de conflito.
Tratamento Humano
O tratamento humano de todas as pessoas envolvidas no conflito reflete princípios essenciais das Sete Leis. A tortura é absolutamente proibida, mesmo contra combatentes capturados, refletindo o princípio de respeito à dignidade humana criada à imagem divina (Bereshit 1.27). Combatentes capturados devem receber tratamento humano, incluindo alimentação adequada, assistência médica e proteção contra abusos. Métodos de combate que causam sofrimento desnecessário além do requerido para neutralizar a ameaça são proibidos, estabelecendo limites claros mesmo no contexto da guerra.
Proteção Ambiental
Como a Torá aborda claramente esse tema, a proteção ambiental também figura entre as considerações éticas importantes durante conflitos. O princípio de não destruir (Bal tashḥit, בל תשחית) derivado de Devarim 20.19-20 proíbe a destruição desnecessária, incluindo danos ambientais excessivos durante conflitos. Táticas que causam danos ambientais permanentes ou de longa duração devem ser evitadas, reconhecendo a responsabilidade humana pela preservação da criação divina mesmo em tempos de guerra.
Fim da Guerra e Reconstrução
Paz Justa
As Leis de Guerras também abordam as responsabilidades após o fim das hostilidades, como a busca por acordos justos. Os termos de paz não podem ser vingativos ou punitivos além do necessário para garantir segurança futura, refletindo o princípio de medida por medida (midá kenegued midá) que permeia a justiça na Torá. Após o conflito, existe a obrigação de assistir na reconstrução de áreas afetadas e no restabelecimento de serviços essenciais para populações civis, independentemente de seu lado no conflito. Esforços ativos devem ser feitos para promover a reconciliação entre populações anteriormente em conflito, evitando ciclos de vingança que perpetuam o sofrimento por gerações e comprometem a possibilidade de paz duradoura.
Responsabilização
A responsabilização pelos atos cometidos durante a guerra também integra a abordagem ética noaíta. Alegações de violações das leis de guerra devem ser investigadas de maneira imparcial, estabelecendo a verdade dos eventos e as responsabilidades correspondentes. Aqueles que sofreram injustamente durante o conflito merecem receber compensação adequada, refletindo o princípio de restituição presente na lei de roubo. Sistemas de justiça transicional devem ser estabelecidos para lidar com crimes graves cometidos durante o conflito, buscando um equilíbrio entre a necessidade de justiça e o imperativo da reconciliação que permite a reconstrução da sociedade.
Considerações Haláḥicas
As Leis de Guerras refletem o equilíbrio fundamental na Torá entre o reconhecimento da realidade dos conflitos humanos e a necessidade de minimizar o sofrimento para todos os envolvidos. O Talmud (Guitin 59b) expressa esse equilíbrio afirmando que a Torá foi dada para promover o caminho da paz. Para os Bnei Noaḥ, estas leis fornecem orientações tanto para líderes políticos e militares quanto para cidadãos individuais. Elas estabelecem o dever de buscar a paz como objetivo primário, recorrendo à força apenas quando absolutamente necessário e com limites éticos claros. Mesmo em tempos de guerra, os princípios fundamentais das Sete Leis devem permanecer intactos.
Estes princípios universais vão além das diferenças culturais e políticas, oferecendo uma base ética compartilhada para a conduta em situações de conflito. Consciente ou inconscientemente, as nações devem cumprir seu papel na implementação da lei de Dinim, contribuindo para a realização gradual da visão profética de paz universal (Ieshaiahu 2.4), onde uma “nação não vai levantar espada contra outra nação, e não vão mais saber o que é guerra”.
Qualquer um que aceite os Sete Mandamentos e tenha cuidado em fazer isso é um justo entre as nações do mundo e tem uma parte no próximo mundo.
- Maimônides, Mishnê Torá