Codificação do status de Bnei Noaḥ
Fundamentos
Na construção do pensamento rabínico, o status dos Bnei Noaḥ foi moldado por diversas interpretações e gradualmente codificado na halaḥá. A literatura judaica oferece uma extensa lista de discussões e tratados que estabeleceram as bases legais da posição dos não judeus dentro do judaísmo. O tratado de Sanhedrin, no Talmud, é a principal fonte sobre as Sete Leis de Noaḥ, estabelecendo o alicerce para sua estruturação legal dentro da tradição rabínica. No Sanhedrin 56a, se encontra a formulação central dessas leis:
Os sábios ensinaram que “Sete mandamentos foram ordenados aos Bnei Noaḥ: cortes de juízes, abençoar o nome do Criador, idolatria, relações sexuais proibidas, assassinato, roubo e parte de um animal ainda vivo”.
A Guemará expande esse tema, debatendo sua aceitação dentro do universo judaico. Há um consenso entre os sábios quanto à validade do pacto das Sete Leis, mas sem uma obrigação formalizada nos moldes do sistema judaico. Essa abordagem mais inclusiva contrasta com interpretações mais estritamente legalistas que vieram depois, levantando o debate sobre os limites haláhicos relacionados aos Bnei Noaḥ.
No período medieval, os Tosafot, comentadores do Talmud, analisaram até que ponto se estendem as permissões e restrições aos não judeus. Eles discutem se a prática de mandamentos além das Sete Leis é algo elogiável ou problemático, revelando a tensão entre a inclusão dos Bnei Noaḥ no modo de vida judaico e os limites estabelecidos pela halaḥá para diferenciar judeus e não judeus.
Maimônides (Rambam) sintetizou muitos desses debates e estabeleceu diretrizes claras em seu Mishnê Torá (Hilḥot Melaḥim 10.9-10):
Um idólatra que se ocupa com o estudo da Torá é passível de morte. Ele não deve estudar nada além dos seus sete mandamentos. Da mesma forma, um idólatra que descansa, mesmo em um dia de semana, fazendo esse dia como um Shabat para si mesmo, é passível de morte. E não há necessidade de mencionar isso se ele cria um feriado para si mesmo. A regra geral é que eles não têm permissão para criar uma nova religião ou realizar mandamentos por conta própria. Eles podem se tornar um convertido justo e aceitar todos os mandamentos, ou manter suas leis sem acrescentar nem retirar nada. Se ele se ocupa com o estudo da Torá, guarda o Shabat ou cria uma prática religiosa, ele deve ser punido e avisado de que é passível de morte, mas não é executado de fato.
Não devemos impedir que um Ben Noaḥ faça um dos mandamentos da Torá que ele queira para receber recompensa, desde que ele faça de acordo com a halaḥá. Se ele trouxer um sacrifício de elevação, ele é aceito. Se ele der tsedacá, ela é aceita. E me parece que ela deve ser dada aos pobres de Israel, visto que ele se beneficia de Israel e tem a obrigação de sustentá-lo. Porém, a tsedacá dada por um idólatra é aceita e dada aos idólatras pobres.
O Rambam estabeleceu uma distinção clara entre as diferentes categorias de não judeus, já que os idólatras (עכו”ם) possuem muito mais restrições do que os Bnei Noaḥ (בני נח). No Mishnê Torá, ele deixa claro que essa limitação é proporcional ao nível espiritual do indivíduo.
Na codificação haláḥica, o Shulḥan Aruḥ, de Rav Iossef Caro, também aborda os Bnei Noaḥ, especialmente na seção Ḥoshen Mishpat, que trata de leis civis e financeiras. Ao organizar a legislação judaica de forma sistemática, Caro consolidou decisões anteriores e delineou diretrizes sobre a relação entre não judeus e o sistema legal judaico.
Ao longo dos séculos, o status dos Bnei Noaḥ evoluiu conforme os rabinos e estudiosos tentaram definir seu papel dentro da visão da Torá. Essa evolução inseriu os não judeus em várias esferas do judaísmo normativo, trazendo a noção de ética, justiça e responsabilidade espiritual do indivíduo. O resultado desse processo foi o reconhecimento formal dos Bnei Noaḥ dentro da halaḥá, consolidando sua identidade e posição dentro da tradição judaica.
Qualquer um que aceite os Sete Mandamentos e tenha cuidado em fazer isso é um justo entre as nações do mundo e tem uma parte no próximo mundo.
- Maimônides, Mishnê Torá