Opiniões modernas sobre Bnei Noaḥ
Fundamentos
Nos últimos dois mil anos, Bnei Noaḥ se tornou um assunto quase esquecido na prática, existindo somente nas páginas do Talmud. Em meio à tantas perseguições, o povo judeu se concentrou na própria sobrevivência e deixou de lado a questão dos não judeus. Mas, à medida que o tempo passou e as circunstâncias mudaram, eles novamente voltaram o olhar para os Bnei Noaḥ. Desde o século 19, rabinos e pensadores começaram a recuperar a discussão sobre o papel dos não judeus dentro da visão da Torá, ressuscitando o conceito de Bnei Noaḥ.
O Rabino Moshê Sofer (1762-1839) foi uma das figuras mais influentes do judaísmo ortodoxo na Europa, atuando como rabino-chefe de Pressburg (atual Bratislava, Eslováquia), onde fundou uma das mais renomadas ieshivot da época. Embora ele tenha vivido em um período em que o conceito moderno de movimento Bnei Noaḥ não estava em evidência, suas responsas abordam a relação entre judeus e não judeus no contexto haláḥico. Ele reforçou a ideia de que os não judeus têm uma obrigação moral de cumprir as Sete Leis de Noaḥ e que essas leis são suficientes para garantir a eles um lugar no próximo mundo.
Um dos temas recorrentes no pensamento de Moshê Sofer era a separação rigorosa entre judeus e não judeus. Ele via com preocupação qualquer tentativa de assimilação ou influência de culturas externas sobre o judaísmo. Em seus comentários, ele enfatizava que os Bnei Noaḥ deveriam seguir suas leis sem necessariamente se aproximarem das práticas judaicas, pois o pacto da Torá foi dado exclusivamente a Israel. Ele também argumentava que as Sete Leis não eram apenas recomendações, mas um sistema jurídico e moral obrigatório para toda a humanidade.
No século 20, o Rebe de Lubavitch (1902–1994) impactou o judaísmo ortodoxo e a espiritualidade global com uma visão de responsabilidade universal. Ele destacou a importância da difusão das Sete Leis como parte da missão judaica na redenção do mundo. O Rebe argumentava que os judeus não deveriam apenas focar em sua própria prática religiosa, mas também ter um papel ativo na orientação dos povos. Em diversas cartas e discursos, ele enfatizou que a transmissão das sete leis básicas não era uma questão de conversão ou proselitismo, mas de capacitar cada nação a cumprir seu papel dentro do plano divino.
Ele baseava essa abordagem no Rambam (Maimônides), que escreveu no Mishnê Torá (Hilḥot Melaḥim 8.10) que os judeus têm a obrigação de ensinar os não judeus sobre as Sete Leis, para que a humanidade reconheça a soberania do Criador. Ele via isso como parte da preparação para a era messiânica. O Rebe era contra a tentativa de misturar práticas judaicas com o caminho dos Bnei Noaḥ, defendendo a ideia de que os não judeus deveriam se aprofundar no seu próprio caminho, sem assumir práticas judaicas como tsitsit ou tefilin.
Além do Rebe de Lubavitch, outros rabinos recentes, como Yoel Schwartz e Uri Sherki, também trabalharam para estruturar um caminho para os Bnei Noaḥ no mundo moderno. No entanto, além do entusiasmo, a retomada desse conceito também trouxe desafios profundos, que emergem justamente da ausência de uma tradição viva que guie os não judeus que buscam esse caminho.
Diferente do judaísmo, que tem uma estrutura comunitária bem consolidada, os Bnei Noaḥ se encontram diante de um território ainda em construção. Há muita incerteza nas interpretações variadas, na falta de fontes confiáveis e na ausência de um modelo de vida bem definido. Alguns tentam se aproximar da prática judaica, adotando rezas, costumes e símbolos, enquanto outros buscam focar apenas no cumprimento das Sete Leis. Esse dilema reflete a lacuna existente entre o que os rabinos ensinam e como os Bnei Noaḥ aplicam esses ensinamentos na prática, pois a falta de acesso direto ao ensino rabínico ortodoxo cria um ambiente em que muitas informações se perdem ou são distorcidas.
Sem uma base estruturada, surgem interpretações desencontradas, tornando indistinguível entre o que é autêntico e o que é apenas uma adaptação desconectada da tradição. O caminho dos Bnei Noaḥ é legítimo dentro da Torá, mas a sua construção enquanto identidade ainda está em processo. Isso se torna evidente na questão da conversão, na qual muitos que ingressam nesse caminho, sem um direcionamento claro, acabam sentindo a necessidade de um pertencimento mais definido e buscam a conversão ao judaísmo. Enquanto alguns rabinos incentivam esse passo, outros defendem que o caminho Bnei Noaḥ já é completo por si só.
E nesse cenário, o grande desafio reside em como trazer clareza espiritual para os Bnei Noaḥ, onde o conhecimento precisa ser acessível, autêntico e alinhado com a tradição da Torá. A resposta para essa necessidade passa pela disseminação de informações confiáveis e também pela criação de um ambiente seguro, onde cada indivíduo possa encontrar a direção correta, sem ruídos ou distorções. E é exatamente esse o ponto que os rabinos modernos apontam como a responsabilidade desta geração: transformar o conceito de Bnei Noaḥ em uma realidade tangível, através da criação de comunidades e do ensino correto da Torá.
Qualquer um que aceite os Sete Mandamentos e tenha cuidado em fazer isso é um justo entre as nações do mundo e tem uma parte no próximo mundo.
- Maimônides, Mishnê Torá